Possibilidade de registro do usufruto de 05 anos do companheiro sobrevivente na matrícula do imóvel ou em termo de união estável

Débora Guedes

Com o advento do Código Civil de 2002 (CC/2002), que apenas previa o direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente, nada dispondo sobre sua aplicação ao companheiro, surgiu nos tribunais brasileiros a discussão acerca da subsistência do direito real de habitação para o companheiro sobrevivente, o que instaurou “acirrado debate”, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, sobre a revogação ou não da Lei 9.278/1996 pelo CC/2002.

A lei nº 9.278 de 10 de maio de 1996, no parágrafo único do artigo 7º prevê o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente, enquanto vivo e não constituir nova união estável ou contrair casamento. Contudo, a lei nº 10.046/2002, que instituiu o Novo Código Civil, em que pese ter inovado quando do tratamento por completo do direito de sucessão na união estável, atribuiu o direito real de moradia no art. 1.831 somente ao cônjuge, sem mencionar o convivente, gerando grande discussão doutrinária. Entretanto, considerar-se-ia revogada a lei anterior pela simples omissão do legislador civilista traria consequências contrárias ao objetivo assistencial da criação do instituto, qual seria impedir, em um momento já difícil pela perda, que o sobrevivente sofra com a falta de moradia.

Essa questão chegou a este tribunal superior, que firmou orientação pela preservação do referido diploma legislativo e, consequentemente, pela manutenção do direito real de habitação ao companheiro supérstite. No julgamento do AgRg no REsp 1.436.350, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino também destacou não terem sido revogadas as disposições da Lei 9.278/1996, “subsistindo a norma que confere o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente diante da omissão do Código Civil em disciplinar tal matéria em relação aos conviventes em união estável, consoante o princípio da especialidade”. O ministro Luis Felipe Salomão ressaltou que o direito real de habitação é ex vi legis (por força da lei), decorrente do direito sucessório (artigo 1.831 do CC/2002), portanto, pode ser exercido desde a abertura da sucessão (REsp 1.315.606). Para o magistrado, a partir desse momento, o cônjuge ou companheiro sobrevivente tem instrumentos processuais para garantir o exercício do direito de habitação, inclusive por meio de ação possessória.

Desse modo, há entendimentos em ambos os sentidos, quais sejam, de que é garantido o usufruto ao companheiro sobrevivente, bem como de que essa garantia persiste apenas em favor do cônjuge. Em relação ao primeiro entendimento, seguem algumas jurisprudências:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO À COMPANHEIRA SOBREVIVENTE. O direito real de habitação está calcado nos princípios da solidariedade e da mútua assistência, característicos da união estável. Apesar de o Código Civil não ter conferido expressamente o direito real de habitação àqueles que viveram em união estável, tal direito subsiste no ordenamento jurídico em razão do parágrafo único do art. 7º da Lei 9.278/96. Inexiste incompatibilidade entre as duas legislações. Equiparação entre união estável e casamento levada a efeito pela Constituição Federal. NEGARAM PROVIMENTO.
(TJ/RS – 8ª C. Cív., Ap. Cív. nº 70018291468, Rel. Des. Rui Portanova, julg. 01.03.2007)
EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO – BEM IMÓVEL UTILIZADO PELA COMPANHEIRA SOBREVIVENTE – RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA – DIREITO DE REAL DE HABITAÇÃO. – Independente da contribuição para a aquisição do imóvel, é assegurado pelo novo Código Civil ao cônjuge sobrevivente o direito real de habitação relativo ao único imóvel destinado à residência da família, regra que é estendida à companheira, sob pena de se incorrer em inconstitucionalidade, até porque o Código vigente não revogou a Lei nº 9.278/96, que também assegura o direito real de habitação quando do falecimento de um dos conviventes da união estável. (TJ/MG – 11ª C. Cív., Ap. Cív. nº 1.0441.05.001560-7/001, Rel. Des. Duarte de Paula, julg. 02.08.2006)

Segundo previsão do artigo 1.410, do Código Civil, “o usufruto extingue-se, cancelando-se o registo no Cartório de Registro de Imóveis: I – pela renúncia ou morte do usufrutuário”. Vale ressaltar que os parceiros não são obrigados a seguir um dos regimes de bens descritos no CC e podem dispor dos bens atuais e futuros de outra forma, criando uma espécie de regime misto. Assim, se o imóvel for de um dos companheiros e este não quiser ceder após a sua morte podem descrever no contrato de união estável o termo de cessão de uso e fruto do bem da forma que compactuarem.

É importante destacar que o direito real de habitação de cônjuge sobrevivente, segundo versa o artigo 1.831 do Código Civil, é garantido independentemente de ele possuir outros bens em seu patrimônio pessoal. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a um recurso que questionava o direito com a justificativa de que o cônjuge dispõe de outros imóveis.
Para o ministro Villas Bôas Cueva, em sede de julgamento do REsp 1582178/RJ, a única condição que o legislador impôs para assegurar ao cônjuge sobrevivente o direito real de habitação é que o imóvel destinado à residência do casal fosse o único daquela natureza a inventariar. Destaca ainda que a parte final do artigo 1.831 faz referência à necessidade de que o imóvel seja “o único daquela natureza a inventariar”, mas mesmo essa exigência não é interpretada de forma literal pela jurisprudência.
Nota-se que até mesmo a exigência legal de inexistência de outros bens imóveis residenciais no acervo hereditário é amplamente controvertida em sede doutrinária. Daí porque o STJ, em pelo menos uma oportunidade, já afastou a literalidade de tal regra. Veja:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DIREITO DAS SUCESSÕES. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. ART. 1.831 DO CÓDIGO CIVIL. UNIÃO ESTÁVEL RECONHECIDA. COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. PATRIMÔNIO. INEXISTÊNCIA DE OUTROS BENS. IRRELEVÂNCIA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se o reconhecimento do direito real de habitação, a que se refere o artigo 1.831 do Código Civil, pressupõe a inexistência de outros bens no patrimônio do cônjuge/companheiro sobrevivente. 3. Os dispositivos legais relacionados com a matéria não impõem como requisito para o reconhecimento do direito real de habitação a inexistência de outros bens, seja de que natureza for, no patrimônio próprio do cônjuge/companheiro sobrevivente. 4. O objetivo da lei é permitir que o cônjuge/companheiro sobrevivente permaneça no mesmo imóvel familiar que residia ao tempo da abertura da sucessão como forma, não apenas de concretizar o direito constitucional à moradia, mas também por razões de ordem humanitária e social, já que não se pode negar a existência de vínculo afetivo e psicológico estabelecido pelos cônjuges/companheiros com o imóvel em que, no transcurso de sua convivência, constituíram não somente residência, mas um lar. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1582178/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/09/2018, DJe 14/09/2018) – Sem destaque no original.

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