O CRÉDITO ALIMENTAR NO CASO DO EMPRESARIAL INDIVIDUAL FALIDO

 

Claudiane Aquino Roesel

 

INTRODUÇÃO

 

A partir de um contexto que faz parte cada vez mais de uma nova sociedade constituída cada dia com demandas sociais mais recentes, o alimentando, pessoa que não tem condições de se manter, de se sustentar, de prover um mínimo básico para sua subsistência necessita estar amparado em muitas das vezes pelo ordenamento jurídico para ver satisfeito seu crédito alimentar. Crédito este que tem como base o direito da personalidade, que visa trazer um mínimo necessário para que o credor tenha como sobreviver.

No entanto, o cenário jurídico encontra um dilema em definir e delimitar, sob a égide do Código Civil de 2002 e a Lei 11.101/05 em comparação ao antigo Decreto Lei 7.661/45, qual a possibilidade, ou seja, a via mais adequada para recebimento do crédito do alimentando frente ao credor, neste caso o empresário individual falido, no caso de ocorrência de um processo falimentar em que a sentença lhe declara falido. Se o fato deste não possuir separação patrimonial pessoal frente a atividade empresarial por ele desenvolvida, impossibilitaria a habilitação do crédito.

Cumpre enfatizar que o Decreto Lei 7.661/45 trazia em seu artigo 23, I, que as obrigações a título de prestações alimentares não poderiam ser reclamadas na falência, isto posto de forma explícita e bem clara. Porém, mesmo que o direito deva acompanhar a evolução da sociedade e que deve servir e atender ás situações fáticas do dia a dia de uma coletividade, visando a melhoria e o bem comum, a Lei 11.101/05 ao tratar do crédito do alimentando no caso de falência, em especial a falência do empresário individual, não trouxe de forma expressa onde o credor de alimentos habilitaria seu crédito no processo falimentar e, na eventualidade de assim se entender, qual a classificação lhe deva ser atribuída. O legislador não manteve a exclusão acima mencionada, o que poderia ter sido considerado um avanço, a não ser pela lacuna que deixou por nem sequer ter mencionado se agora o crédito do alimentante poderia ou não ser reclamado no caso de falência.

É clara a importância da existência de uma legislação falimentar moderna e eficiente para o ambiente econômico, que trate de cada caso que for surgindo com os avanços da sociedade de forma eficiente e apresente soluções céleres para as situações de insolvência, preocupada sim com a preservação da empresa, porém sem se descuidar de créditos importantes como no caso o crédito do alimentando.

Com o propósito de buscar critérios para a solução deste dilema da omissão quer seja despropositada ou não e em buscar a melhor classificação a ser concedida ao crédito ora em estudo, analisando- se os artigos 83 e 84 da Lei 11.101/2005, o presente artigo tem como foco analisar o que significa a lacuna deixada por este ordenamento ao não tratar do crédito do alimentando no caso do empresário falido pautada num discurso de que a retirada da exclusão poderia representar uma forma de não querer excluir, ou seja, se seria uma permissão de habilitar-se ou se esta lacuna pode ter sido um esquecimento do legislador.

De forma mais específica, o presente artigo buscou fornecer critérios para analisar ser cabível ou não a habilitação do alimentando em ver satisfeitos seus créditos alimentícios perante o empresário individual falido e em sendo cabível, qual a ordem de classificação dos créditos ele estará vinculado.

A pesquisa inicia-se com uma abordagem do conceito de alimentos que encontra respaldo constitucional e suas características enquanto princípio da preservação da dignidade humana e direito da personalidade, reconhecendo a fundamental função dos alimentos tratando ainda do binômio necessidade do alimentando x possibilidade do alimentante em verdadeiramente ter condições de arcar com o alimento, ou seja, sua capacidade econômica.

Mais adiante, conceitua-se o empresário, traçando linhas para se definir quem é esse empresário individual que pode falir e posteriormente, avalia-se o crédito do alimentando nas leis de falências já existentes em nosso ordenamento jurídico, mais especificamente nos artigos 83 e 84 da Lei de Falências.

Nesse diapasão, elucida-se uma das mais preciosas garantias de nosso ordenamento jurídico: os alimentos, em que é dever do Estado garantir a vida, resultante da aplicabilidade do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no artigo 1º, III da CF/88 e artigo 6º, da CF/88. Não é outro o escopo deste nobre princípio senão o de efetivamente garantir a sobrevivência e garantir a subsistência de quem não o consegue por si só.

 

1 A IMPORTÂNCIA DO ALIMENTO

 

Os alimentos, são considerados Direito da Personalidade (o que está agregado ao ser humano), devido ao seu auto grau de importância, reconhecimento e seu caráter essencial.

Como bem preleciona Aline Assis Salomão, baseando-se nos dizeres de Yussef Said Cahali, os “alimentos” para o direito, significam “tudo o que é necessário para satisfazer aos reclamos da vida”[1]

Nesta feita, percebe-se que o instituto do alimento está amparado pela constituição, sendo dever do estado garantir a sobrevivência, a vida, bem como o direito ao alimento, como resultante do princípio da dignidade humana (art 1º, CF/88), “dogma maior do sistema jurídico constitucional”.[2]

Como os alimentos servem para preservar a vida, a subsistência e a integridade física do ser humano, e possuem uma relevância ainda maior, tendo como objetivo atender a uma gama de necessidades que um indivíduo precisa para sua sobrevivência, é de suma importância que este direito, inerente à pessoa, deve ser habilitado como crédito no processo falimentar.

Observa-se ainda, que este direito de alimento, garantido ao indivíduo que necessita de auxílio para sobreviver, tem a característica de direito personalíssimo, tendo em vista que não pode ser transferido a outrem já que tem a função de garantidor da vida e subsistência, assegurando um mínimo ao que necessita por aquele parente mais próximo que tenha o dever de assim o fazer.

Visando proteger esse indivíduo vulnerável incapaz de sustentar a si próprio, que passa-se a analisar os artigos 83 e 84 da Lei 11.101/05, para decifrar se este direito insere-se no rol destes artigos e se o referido crédito subsiste ou não à declaração da falência do empresário individual.

 

2 CLASSIFICAÇÃO DO CRÉDITO DO ALIMENTANDO

 

Antes de adentrarmos na habilitação do crédito do alimentando quando o empresário individual encontra-se falido, cabe ressaltar que empresário individual segundo Tomazette é aquela “pessoa física que exerce a empresa em seu nome próprio, assumindo os riscos da atividade”.[3] Neste caso não há distinção entre seus bens pessoais e aqueles decorrentes da atividade empresarial, o que o leva a responder ilimitadamente pelas suas responsabilidades e dívidas e pode neste caso ficar obrigado ao pagamento de uma eventual pensão alimentícia, tendo em vista que o dever de sustento se mantém.

Ultrapassados estes conceitos mínimos, adentra-se ao estudo dos artigos da Lei de Falências que mais nos interessa. Sob a égide de que artigo 84 da lei de Falências que cuida dos créditos extraconcursais, que são aqueles que terão prioridade no recebimento, percebe-se a preocupação do legislador em determinar o pagamento prévio dos valores despendidos com a administração prestada após o decreto de falência por serviços prestados à massa ou por despesas decorrentes desses serviços, ficando assim evidenciando uma hierarquia na ordem de pagamentos, iniciando-se por aqueles descritos no inciso I e terminado no inciso V.

Após compreender que a sistematização deste artigo está disposta de forma a tratar os incisos em grau de preferência, apontou-se que a melhor compreensão consiste em entender o rol ali disposto como taxativo e hierarquicamente ordenado, não se entendendo pela possibilidade e legalidade de tratar o crédito de alimentos como extraconcursal, tendo em vista que o mesmo não se encontra nele. Inserirmos o crédito do alimentando neste artigo sem que assim o legislador o quisesse, seria comprometer a segurança jurídica daqueles credores que o legislador buscou resguardar.

Findo este artigo e em busca de classificar o crédito alimentar, adentra-se ao estudo do artigo 83 da lei de Falências, de que trata dos créditos concursais, em que igualmente há uma classificação a ser seguida, em que a legislação brasileira manteve a ideia tradicional de estabelecer uma hierarquia entre os créditos que podem ser habilitados em uma falência. Ao verificar seus incisos, percebe-se que os incisos I, IV e V tratam de créditos preferenciais, créditos estes que têm privilégios sobre os demais e que neste rol não se encontra os créditos alimentares e não poderíamos assim inseri-lo sob pena de ofendermos a segurança jurídica.

Desta forma, tendo em vista que se um crédito não está explicitamente tratado em algum inciso, nos resta fazermos uma interpretação por exclusão, restando assim o inciso VI do artigo 83, da Lei de Falências, em que créditos quirografários são aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo.

Tudo isso somado ao fato de que, como já vimos, o legislador não manteve a exclusão explícita do Decreto-Lei 7.661, coube analisar cada artigo de que trata dos créditos em caso de falência para verificar se o mesmo se enquadraria em um deles, o que não foi o caso.

Percebe-se com isso, que, o crédito do alimentando frente ao empresário individual falido encontra-se na classe dos quirografários, posição esta mais comum na classificação dos créditos, que não possui nenhuma garantia especial e por conseguinte, nenhum privilégio, nos moldes do artigo 83, inciso V, alínea “a” da Lei de Falências, não tendo assim qualquer preferência, sendo pagos apenas depois que forem realizados os demais pagamentos.

Nesta feita fica evidente que a não repetição da exclusão como acontecia no Decreto lei 7.661/45 não foi um mero esquecimento do legislador, o que seria subestimar sua competência e desvalorizar a importância que tem o alimento, mas o que ocorreu foi algo proposital, em que o legislador implicitamente determinou que as prestações alimentícias deveriam ser habilitadas neste rol que não detém o direito de preferência, o que é lamentável e aquém do que se esperava para um crédito de suma importância.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 12 jul. 2016.

 

 

BRASIL. Decreto-Lei 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. DOU, 31 jul. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acesso em: 12 jul. 2016.

 

 

BRASIL. Lei 11.101 de 2005 de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. DOU, 9 fev. 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>. Acesso em: 12 jul. 2016.

 

SALOMÃO, Aline Assis. O crédito do alimentando credor do empresário individual falido. 2015. 96 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Direito Empresarial, Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, 2015. Disponível em: <http://www.mcampos.br/u/201503/alineassissalomaoocreditodoalimentadocredordoempresario.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2016.

 

 

SANTOS, Walmer. O crédito alimentar na falência do empresário individual. 2015. 113 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Direito Empresarial, Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, 2015. Disponível em: <http://www.mcampos.br/u/201503/walmercostasantosocreditpalimentarnafalenciadoempresarioindividual.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2016.

[1]     SALOMÃO, Aline Assis. O crédito do alimentando credor do empresário individual falido. 2015. 96 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Direito Empresarial, Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, 2015. p. 13. Disponível em: <http://www.mcampos.br/u/201503/alinea ssissalomaoocreditodoalimentadocredordoempresario.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2016.

[2]    DIAS, Maria Berenice. 2013, p. 535 apud SALOMÃO, Aline Assis. Op. cit, p. 21.

[3]     TOMAZETTE, 2011, p. 48 apud SANTOS, Walmer. O crédito alimentar na falência do empresário individual. 2015. 113 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Direito Empresarial, Faculdade de Direito Milton Campos Nova Lima, 2015. p. 9. Disponível cem: <http://www.mcampos.br/u/201503/walmercostasantosocreditpalimentarnafalenciadoempresarioindividual.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2016.