Durante muitos anos, pouco se sabia sobre o TEA, o Transtorno do Espectro Autista.  Em termos se tratamento direcionado e a disponibilização de direitos e garantias para o paciente e seus familiares responsáveis, praticamente nada estava previsto em lei ou em entendimento jurisprudencial.

 

Felizmente, a questão tem recebido a merecida atenção, tanto das áreas médicas quanto do próprio Ordenamento Jurídico.

 

O TEA, como é conhecido, é resultado de alterações físicas e funcionais do cérebro e está relacionado ao desenvolvimento motor, da linguagem e comportamental.

 

Ressalta-se que, crianças com TEA enfrentam dificuldades para a realização de tarefas comuns, próprias a cada fase de desenvolvimento. Isto porque as características clínicas da síndrome aumentam a demanda por cuidados e, consequentemente, o nível de dependência de pais e/ou cuidadores. A família destas crianças, por sua vez, se vê frente ao desafio de ajustar seus planos e expectativas futuras a essa nova condição, além da necessidade de adaptar-se à intensa prestação de cuidados em relação às necessidades específicas do filho. (EBERT; LORENZINI; FRANCO DA SILVA, 2015; BOSA, 2006).

De acordo estudos, esses desafios são apresentados à família justamente por se configurar como o principal microssistema em que a pessoa em desenvolvimento estabelece relações significativas e estáveis (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006).

Os pais, além de prestadores de cuidados, modelos, disciplinadores e promotores da socialização dos filhos, assumem posição central no que se refere à estimulação para favorecer o desenvolvimento dos filhos (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006; EBERT; LORENZINI; FRANCO DA SILVA, 2015; PÉREZ-LÓPEZ et al., 2012; SANCHES; JÚNIOR, 2011).

O cuidado de filhos com TEA, na esfera trabalhista, vem sendo discutido no Brasil, diante das especificidades e cuidados que a criança necessita receber através da evolução dos diagnósticos de Autismo.

Esta evolução impactou diretamente as relações de trabalho das genitoras dos pacientes, implicando diminuição de remuneração mensal.

Cita-se a exemplo uma empregada pública com filho autista conseguiu a redução de carga horária sem prejuízo do salário na justiça.

A decisão foi preferida pela Vara do Trabalho do Espírito Santo concedendo para a trabalhadora mais tempo para os cuidados com o filho diagnosticado com Autismo.

Laudos médicos e psicológicos anexados ao processo atestaram que a criança apresenta “atraso no desenvolvimento da fala, dificuldades na socialização, contato visual fugaz, interesses restritos, alterações sensoriais e comportamentos estereotipados”, necessitando de tratamento constante com equipe multidisciplinar, com acompanhamento da mãe para estimulação contínua das atividades.

 

Em seu relatório, a Desembargadora ponderou que, apesar da inexistência de disposição legal na CLT sobre a diminuição da jornada com manutenção salarial, é necessário examinar a questão sob uma perspectiva ampla, utilizando a legislação infraconstitucional que salvaguarda os direitos da criança e do adolescente, a Constituição Federal e as normas internacionais incorporadas pela Carta Magna.

 

A relatora considerou ainda mais relevante o previsto no Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009, o qual “Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007″.

 

 Foi o primeiro Tratado Internacional a ser incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, com força de norma constitucional.

 

Segundo a magistrada, a concessão da carga horária reduzida é respaldada pelo ordenamento jurídico “que lhe garante, em seu conjunto, a oferta de condições especiais para que possa viabilizar o desenvolvimento pleno e adequado de sua criança”.

 

Recentemente, a Justiça Trabalhista de São Paulo também acolheu este entendimento:

“Impedir a redução da jornada de trabalho do servidor cujo filho é portador de deficiência intelectual, mental ou sensorial é negar uma forma de adaptação razoável aos indivíduos dependentes, de serem inseridos na sociedade em igualdade de oportunidade”, destacou o magistrado. Vignotto ressaltou que, mesmo não havendo previsão legal que ampare o pedido da empregada, “é dever do Estado promover e garantir o direito fundamental de igualdade a todos os indivíduos (art. 5º da Constituição Federal)”. Processo 1001417-74.2020.5.02.003

Recentemente o TRT MG decidiu pelo deferimento da redução da jornada de trabalho, porém, com redução de salário, nos seguintes termos:

“Conheço do recurso ordinário interposto; no mérito, dou-lhe parcial provimento para, julgando parcialmente procedentes os pedidos iniciais: a) determinar que a reclamada proceda à redução da carga horária da reclamante em 50%, com diminuição proporcional da remuneração, em prazo a ser fixado pelo Juízo a quo, após o trânsito em julgado, sob pena de multa diária, também a ser arbitrada na origem; b) condenar a reclamada ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência em prol dos patronos da autora, ora fixados em R$1.500,00. Fixo o valor da condenação em R$1.500,00 e das custas, a cargo da ré, em R$30,00.” (PROCESSO nº 0010064-34.2023.5.03.0138)

No entanto, o mesmo Tribunal tem proferido decisões no sentido de conceder a redução de jornada sem redução salarial. Cita-se a exemplo o Acórdão que negou provimento ao recurso mantendo a sentença:

  1. Esta Corte tem admitido a redução de jornada de empregado público com dependente com deficiência sem alteração remuneratória e sem compensação de horário, a depender da especificidade do caso. 2. A utilização da analogia visando realizar a integração da lacuna normativa do regime jurídico aplicável ao reclamante encontra amparo na leitura contemporânea do princípio da legalidade administrativa, à luz do primado da juridicidade, de modo a não vincular o administrador público exclusivamente às diretrizes oriundas do Poder Legislativo, mas também para balizar sua atividade pelos valores e princípios constitucionais. 3. Situação que abrange a tutela de bens jurídicos destacados na ordem constitucional de 1988, notadamente, o direito da pessoa com deficiência, alçado à categoria de direito fundamental, sobretudo em face da internalização, com status de emenda constitucional (art. 5º, § 3º, da CF), da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência pelo Decreto 6.949/2009. 4. A aplicação analógica do art. 98, §§ 2º e 3º, da Lei 8.112/1990 decorre da incidência de princípios oriundos dos arts. 1º, III, 5º, 6º, 7º, 227 da CF e 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), além da destacada Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, não se vislumbrando qualquer ofensa ao primado da legalidade ou aos demais princípios que regem a Administração Pública. Precedentes. Agravo de que se conhece e a que se nega provimento ” (TST; Ag-ED-AIRR-132-10.2020.5.10.0016, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 27/05/2022). Por fim, não acolho as pretensões sucessivas da ré, porque autorizar a redução da remuneração de forma proporcional à jornada significaria anular o próprio objetivo perseguido, que é assegurar melhores condições para o desenvolvimento da criança portadora de deficiência, já que cediço que são de grande monta os gastos com um filho portador de necessidades especiais. Não há falar ainda em limitação temporal da redução autorizada porque a síndrome é irreversível. Nego provimento.” (PROCESSO nº 0011102-59.2022.5.03.0092)

Neste sentido, o reconhecimento da redução da jornada de trabalho sem redução só salário vem avançando, tendo as mães de filhos que possuem TEA, seus direitos reconhecidos perante a justiça.  Tal reconhecimento se vê necessário, diante da gama de cuidados que os filhos necessitam, sendo direitos constitucionalmente garantidos para que a criança seja protegida e cuidada em suas necessidades espeicais, tendo todo o apoio e amparo possível.

 

Crucial portanto que o entendimento judicial e a própria legislação acompanhe a evolução deste diagnóstico, reduzindo a jornada de trabalho do genitor, como forma de proteger a criança, em respeito à dignidade da pessoa humana, visto que os pais serão necessários para a promoção de uma formação e desenvolvimento saudável da criança.

Por fim, a questão requer a aplicação máxima do princípio constitucional da equidade.

 

Ao contrário do princípio da igualdade, que é baseada na universalidade, no sentido de que, que todos devem observar as mesmas regras e devem ter os mesmos direitos e deveres, a Equidade, por sua vez, reconhece que não somos todos iguais e sendo justo que os especiais devem ser tratados de forma desigual, na medida de sua desigualdade, a ponto de serem iguais aos demais.

 

Sendo assim, diante das condições das crianças com TEA, para a promoção justa e igualitária garantida em nossa constituição e ainda, para que haja promoção social de um desenvolvimento igualitário, se vê como positiva evolução jurisprudencial e legislativa sobre o tema.