Medida Provisória 808/2017 e a contratação do motorista de carga autônomo

 

 

Taís Moreira

 

Primeiramente, para que possamos dar início a este breve estudo sobre as mudanças trazidas pela Medida Provisória 808, que entrou em vigor no dia 14 de novembro de 2017, é importante esclarecer a sua origem.

 

No dia 13 de julho de 2017, presenciamos a Lei da Reforma Trabalhista (nº 13.467/2017) entrar em vigor e alterar dezenas de artigos da Consolidação das Leis Trabalhistas (Decreto-Lei nº 5452/1943), modificar a Lei do FGTS (nº 8.036/1990), bem como remodelar a Lei da Organização e do Custeio da Seguridade Social (nº 8.212/1990) e a Lei do Trabalho Temporário (nº 6.019/1974).

 

Referidas mudanças já eram, há tempos, discutidas e consideradas necessárias e imprescindíveis para uma melhor e mais “moderna” relação entre empregado e empregador, valorizando e modificando, entre outras coisas, as negociações acordadas entre estes dois polos da relação trabalhista.

 

No dia 14 de novembro de 2017, uma semana após a implementação da Reforma, foi publicada, no Diário Oficial da União, a Medida Provisória nº 808, objeto desta nossa análise, que veio trazer a primeira alteração na sua redação.

 

Analisando o quadro comparativo abaixo, vejamos o que foi acrescentado no seu artigo 442-B, que dispõe sobre a modalidade de contratação autônoma:

 

Redação Lei 13.467/2017 (como era antes) Redação MP 808/2017 (como ficou)
“Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3.º desta Consolidação.” “Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação.

 

§ 1º É vedada a celebração de cláusula de exclusividade no contrato previsto no caput.

 

§ 2º Não caracteriza a qualidade de empregado prevista no art. 3º o fato de o autônomo prestar serviços a apenas um tomador de serviços.

 

§ 3º O autônomo poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviços que exerçam ou não a mesma atividade econômica, sob qualquer modalidade de contrato de trabalho, inclusive como autônomo.

 

§ 4º Fica garantida ao autônomo a possibilidade de recusa de realizar atividade demandada pelo contratante, garantida a aplicação de cláusula de penalidade prevista em contrato.

 

§ 5º Motoristas, representantes comerciais, corretores de imóveis, parceiros, e trabalhadores de outras categorias profissionais reguladas por leis específicas relacionadas a atividades compatíveis com o contrato autônomo, desde que cumpridos os requisitos do caput, não possuirão a qualidade de empregado prevista no art. 3º.

 

§ 6º Presente a subordinação jurídica, será reconhecido o vínculo empregatício.

 

§ 7º O disposto no caput se aplica ao autônomo, ainda que exerça atividade relacionada ao negócio da empresa contratante.”

 

 

 

O artigo 442-B deixa claro que a contratação para fins de prestação de serviço de forma autônoma pode ser feita por meio de contrato continuado ou não e que, desde que cumpridas as formalidades legais, tem-se afastado do contratado a qualidade de empregado prevista no art. 3º da CLT.

Nessa mesma vertente, analisando o art. 3º da CLT, sabemos que “empregado” é pessoa física que: presta serviço de forma não eventual, mediante dependência e de forma onerosa ao empregador.

 

Art. 3º – Considera-se empregado, toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Parágrafo único – Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.

 

Com a implementação da MP 808 e, em análise aos parágrafos acrescentados por ela ao art. 442-B, chegamos à conclusão que, para que essa condição de empregado prevista no art. 3º seja afastada, é necessário que não seja inserida cláusula de exclusividade no contrato estabelecido entre as partes (§1º, art. 442-B), isto é, passou a ficar vedado ao empregador impor ao contratado que este exerça serviços de forma exclusiva para ele. Contudo, em contrapartida, é resguardado ao contratado a possibilidade de prestar seus serviços somente a um empregador (se assim o quiser), sem que isso configure vínculo empregatício com o empregador em questão (§2º, art. 442-B).

 

Ademais, o autônomo contratado poderá livremente prestar serviços variados a outros tomadores de serviços, independentemente do tipo de contrato formalizado com os contratantes. (§3º, art. 442-B).

 

Por sua vez, o parágrafo 4º, de forma inovadora, faculta ao autônomo a decisão de realizar ou não qualquer atividade demandada pelo contratante. É nesse parágrafo que temos o maior exemplo de afastamento da subordinação normalmente existente em relações patrão – empregado, subordinação essa que, ressalta-se, não pode existir entre as duas partes contratantes se o objetivo destas for a configuração da modalidade contratual autônoma (§6º, art. 442-B). Por óbvio, se houver a recusa de realizar atividade previamente acordada em contrato, o autônomo poderá incorrer em penalidades que tenham sido contratualmente previstas, ficando assim também resguardados os direitos do empregador.

 

O parágrafo 5º deste artigo vem, pontualmente, estabelecer a impossibilidade de configuração de vínculo empregatício a algumas funções compatíveis com o contrato autônomo, desde que estas sejam regulamentadas por lei ou por dispositivo legal especial e que sejam respeitadas todas as formalidades legais previstas.

 

É o caso dos motoristas rodoviários que exercem de forma autônoma função de transportar carga, regulamentados pela lei especial 11.442/2007 (Lei que abrange o T.A.C. – Trabalhadores Autônomos de Carga). Esta lei dispõe especificamente sobre as singularidades do Transporte Rodoviário de Cargas realizado em vias públicas do território nacional.

 

Dentre outras particularidades, depreende-se da redação da referida lei que, para que o profissional se enquadre nesta categoria, é necessária prévia inscrição no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas – RNTR-C da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, além de comprovar ser proprietário, coproprietário ou arrendatário de pelo menos um veículo automotor de carga, sendo esta propriedade limitada a, no máximo, 3(três) veículos e, por fim, ter tido experiência de, pelo menos, 3 (três) anos na atividade, além de ter sido aprovado em concurso específico para exercer a função de motorista transportador (Lei nº 11.442, de 5 de janeiro de 2007; art 1º; art. 2º caput e I e art. 2º, §1, I.)

 

Logo, na contratação dos serviços do motorista autônomo, deverão ser observadas, tanto pelo contratante quanto pelo contratado, todas as peculiaridades dispostas nesta Lei do T.A.C. Dessa forma, já ficará pré-estabelecido, com respaldo no §5 do art. 442-B da Medida Provisória 808/2017, que o motorista não será (e nem poderá vir a ser) considerado como empregado, além de outras particularidades com relação à carga transportada, responsabilidade na ocorrência de dano, seguro contratado, tributação, pagamento, etc.

 

Conclui-se, portanto, que os artigos, incisos e parágrafos da lei do T.A.C devem ser, juntamente com o que é previsto no art. 442-B da MP 808, seguidos, respeitados e tomados como base para elaboração de contrato individual de prestação de serviço de motorista autônomo transportador de carga.

 

Para os proprietários de transportadoras que buscam contratar o serviço de motoristas autônomos, os principais pontos trazidos pelos acréscimos da MP 808 ao art. 442-B seguem abaixo:

  • Se as formalidades legais forem seguidas pelos contratantes, o risco de pedidos na justiça para incorporação no quadro da empresa, conhecido como pedido de vínculo empregatício, será anulado;
  • Reduzindo-se os riscos na contratação de motorista, consequentemente, os custos e despesas suportados pela empresa também diminuirão;
  • Aumenta a responsabilidade dos motoristas contratados por eventuais prejuízos, perdas e danos a que derem causa enquanto no exercício de sua função;
  • O transportador terá direito de reaver do motorista contratado valor de indenização que houver pago em decorrência de dano causado por ele.

 

A conversão da Medida Provisória 808 em lei ordinária passaria pela análise dos membros do Senado e da Câmara no dia 22 de fevereiro deste ano, contudo, dois dias antes (20 de fevereiro), o senador Eunício Oliveira (MDB-CE), atual presidente do Congresso, levando em consideração que as Comissões Mistas ainda não haviam sido formadas, prorrogou a sua vigência pelo prazo de 60 (sessenta) dias até definição de nova data para votação.

No caso da sua aprovação em ambas as Casas, a Medida Provisória 808 será enfim convertida em lei ordinária e saberemos se as alterações e acréscimos trazidos por ela à redação da lei 13.467/2017 passarão a integrar definitivamente, e de forma positiva, o nosso ordenamento jurídico.