COBRANÇA DAS DESPESAS CONDOMINIAIS: rateio pela forma igualitária

 

Claudiane Aquino Roesel

 

 

Resumo

Trata-se de uma pesquisa sobre a forma de cobrança das despesas condominiais, com ênfase nas cobranças por fração ideal e pelo rateio de forma igualitária do proprietário de cobertura em edifício edilício, com a visualização do rateio de despesa comum para uma fixação de taxa condominial até mesmo diferente do que é previsto na convenção do condomínio. Fez-se o levantamento de ações movidas por proprietários de coberturas de condomínios edilícios em busca de averiguar seu direito aplicado, e de artigos escritos por proprietários da área. O objetivo principal deste trabalho é observar os pressupostos presentes na forma de cobrança das despesas de condomínios com ênfase no contexto histórico e social atual, considerando que as influências transformadoras, tanto as de trato legislativo como do próprio papel da propriedade, de modo algum podem ser descartadas nesta análise. Pretendemos ainda demonstrar que quando a forma de cobrança da taxa condominial das coberturas se dá pela quota parte e não de forma igualitária, como algumas convenções estão previstas, acaba lesionando o condômino, tendo em vista que este paga a mais para usufruir dos mesmos serviços que os demais, gerando, assim, um enriquecimento ilícito.

Palavras-chave: Condomínio Edilício. Cobertura. Taxa condominial. Fração ideal. Cobrança de forma igualitária.

 

ABSTRACT

 

It is a research on the method of collecting condominium expenses, with an emphasis on collections by ideal fraction and the equal distribution of the owner of coverage in a building, with the visualization of the apportionment of common expense for a condominial rate fixation Even different from what is provided in the condominium convention. The actions of owners of roofs of condominiums were surveyed in order to investigate their applied rights and articles written by owners of the area. The main objective of this study is to observe the assumptions in the collection of condominium expenses with an emphasis on the current historical and social context, considering that transformative influences, both in terms of legislative treatment and in the proper role of property, can in no way be discarded in this analysis. We also intend to demonstrate that when the form of collection of the condominial rate of coverage is given by the quota party and not in an egalitarian way, as some conventions are foreseen, it ends up injuring the condominium, since the latter pays more to enjoy the same services as the others, thus generating illicit enrichment.

 

Keywords: Edilício Condominium. Roof. Condominial rate. Ideal fraction. Equally charged.

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

Conforme bem leciona Rosenvald, os indivíduos em sua sociedade, em busca da sobrevivência e de sua liberdade, sempre adquiriram bens. Num primeiro momento, esses bens eram somente os bens de consumo imediato, mas com o tempo, adquiriu-se bens duráveis, com a detenção de bens móveis, até chegar à aquisição dos bens imóveis – com a noção de propriedade.

Segundo Rosenvald (2011, p. 199) “a evolução da propriedade se deu de forma natural, não se tratando de uma instituição legal ou institucional, pois o anseio pela segurança propiciada pela aquisição de bens é inerente a qualquer ser humano.”

“Os direitos da propriedade surgem no instante em que os recursos se tornam escassos” (ROSENVALD; FARIAS, 2011, p. 67), pois “quando um recurso não é escasso, não haverá uma demanda por direitos de propriedade” (ROSENVALD; FARIAS apud MUELLER, 2011, p. 97). Isso se dá porque com o crescimento e mudança da economia, os recursos vão se tornand escassos e, eventualmente, a ausência de direitos de propriedade seguros leva à dissipação de rendas por meio da competição entre agentes econômicos para se apropriar dos diversos retornos aos recursos. Essa situação leva a incentivos para que surja uma demanda dos direitos de propriedade seguros que eliminem essa dissipação.

A Jurista Maria Cristina Pezella revela que desde o início do processo de civilização da sociedade romana (em que muitos afirmavam que a propriedade era absoluta), pode-se observar a clara submissão do exercício de propriedade ao interesse social. Além disso, ela evidencia o privilégio do princípio da humanidade sobre os demais princípios do direito, o que, por sua vez, descaracteriza o individualismo como característica da propriedade romana, pois, mesmo quando exercida individualmente, a propriedade sempre esteve sujeita ao interesse social.

O autor Pontes de Miranda (1955, p. 34) afirma que: “a propriedade coletiva precedeu à propriedade individual, mas ressalta que ela nunca fora de todos, mas somente daqueles que pertenciam a um determinado grupo”.

Cabe ressaltar aqui que, na sociedade romana, a propriedade era adquirida pelos privilégios, o que não se confunde com propriedade privada. Avançando mais na história, já num tempo em que a racionalidade e a vocação para a liberdade humana triunfam (iluminismo e jusnaturalismo rompem o formato clássico do direito de propriedade), temos um marco de ruptura do formato clássico do direito de propriedade. Cabe aqui salientar que a propriedade vista pelo antigo regime era uma propriedade privada dos privilégios (casta) e a propriedade em seu sentido moderno representava o homem livre (ROSENFIELD, 2008).

A universalização do direito de propriedade simboliza a libertação do homem em relação à rígida hierarquia do feudalismo (antes o acesso à terra dependia da coerção de um senhor). Dessa forma, segundo Ana Prata (2016, p. 9), “instrumentaliza-se a tutela dos interesses privados” sob a égide da liberdade negocial e do direito subjetivo, em que a propriedade será alcançada segundo a capacidade e esforço de cada um.

A propriedade aqui era considerada um espaço de liberdade e privacidade da pessoa (era o mais significativo dos direitos naturais e inalienáveis da pessoa), proibindo-se intervenções do poder Judiciário capazes de restringir as faculdades de fruição e disposição pelo proprietário. O estado intervinha somente para propiciar a segurança e tranquilidade.

Já no Código Napoleônico de 1804, a propriedade era um fato econômico de utilização da coisa. O Código Francês era um código das coisas, muito mais do que código das pessoas, sem a intervenção do estado – estado mínimo.

Fedozzi (2007, p. 5) cita uma frase de Venosa que diz o seguinte: “não é claro o momento em que a propriedade surge como um fenômeno individual, mas tudo leva a crer que teria começado na época da Lei das XII Tábuas”.

Segundo Euroulths Cortiano Júnior (2002), o ideal dos indivíduos é a titularidade das coisas, havendo aqui uma abstração do indivíduo e a colocação das titularidades no centro da ordem jurídica.

Já no Brasil, “a propriedade privada imobiliária sofreu um longo processo de saída do patrimônio público para ingresso na esfera privada, não se podendo utilizar os países da Europa Ocidental como paradigmas, pois não tivemos estrutura do tipo feudal.” (ROSENVALD; FARIAS, 2011, p. 197). Reserva-se aqui um tipo de propriedade essencialmente patrimonializada.

Passando pelo Código de Beviláqua, que inspirou o Código Civil de 1916, temos o poder de usar, gozar e usufruir da propriedade. Já nessa época, o valor fundamental não era mais a propriedade, mas, sim, o indivíduo.

Finalizando a trajetória, no momento atual, o Código Civil não conceitua a propriedade, mas atém-se muito mais a uma visão científica que enumera as faculdades essenciais que integram o domínio, uso, fruição e disposição da coisa.

 

2 O CONDOMÍNIO NO DIREITO

 

A ideia da concepção clássica de condomínio que compreende o exercício do direito de propriedade sobre um mesmo bem, por mais de um titular, simultaneamente, se deu em Roma, por isso é denominado condominium iuris germanici, que aliás existe na Alemanha ao lado de outro, denominado também condomínio por quotas. Entretanto, o Direito Romano procurou situá-lo na comunidade familiar e não admitia que mais de uma pessoa pudesse exercer direito sobre a mesma coisa (VENOSA, 2011).

Já no direito alemão, a coisa pertence à coletividade e não aos condôminos, que apenas têm direito de uso e gozo da coisa em razão da vinculação corporativa em que se encontram e não em consequência de serem sujeitos, individualmente, de direitos sobre a própria coisa. Neste sistema, a propriedade passou a ser considerada como uma forma unitária.

O condomínio era compreendido de forma diversa e era entendido como uma comunhão de mão comum, isto é, cada consorte tinha direito conjunto de exercer o domínio sobre a coisa (VENOSA, 2011). A origem também é a comunhão familiar e não havia nessa copropriedade a noção de parte ideal, pois a propriedade era exercida por todos, sobre o todo.

O direito Brasileiro ancorou-se na tradição romana (que traduz a natureza do condomínio como modalidade de propriedade em comum com partes ideais, baseando o condomínio na fração ideal). Porém, há, entre nós, traços da concepção germânica, que facilita seu entendimento na comunhão universal de bens que se estabelece em razão do casamento, em que todos os bens pertencem concomitantemente ao marido e à mulher, sem determinação da cota de um ou outro cônjuge.

Tendo em vista que quando se trata de domínio, de usar, fruir e dispor, trata-se de exclusividade (princípio deste), ao contrário do que se possa supor, no condomínio tradicional, não há elisão do princípio da exclusividade. Pelo estado de indivisão do bem, cada um dos proprietários detém fração ideal do todo, há uma pluralidade de sujeitos que são os proprietários (ROSENVALD; FARIAS, 2011).

O condômino exercitará o domínio na integralidade e não apenas na proporção de sua fração, assegurando a exclusividade jurídica ao conjunto com os proprietários. Muitos têm direito da propriedade sem que isto afete a unidade do domínio. A cada condômino é assegurada uma quota ou fração ideal da coisa e não uma parcela material desta, como bem preleciona (PEREIRA, 2004).

Ainda, Marco Aurélio Bezerra de Melo (2015) aduz que, “no condomínio, o direito dos condôminos é qualitativamente igual e quantitativamente diferente”, na medida que o domínio é qualitativamente igual, não obstante a propriedade seja quantitativamente diferente. Todos os condôminos possuem atributos qualitativamente idênticos sobre a totalidade da coisa, todavia, sofrem limitações na proporção quantitativa em que concorrem com outros “comunheiros” na titularidade sobre o conjunto (ROSENVALD; FARIAS, 2011, p. 556). Todos os comunheiros, como dizia Caio Mário (2002), têm direitos qualitativamente iguais sobre a totalidade dele, limitados, contudo, na proporção quantitativa em que concorre com outros comproprietários na titularidade sobre o conjunto.

A evolução do condomínio passa pela Lei 5.481 de 1928, indo para o Decreto Lei nº 5.234 de 8 de fevereiro de 1943, até culminar na primeira vez em que foi editada uma Lei própria para tratar especificamente do assunto condomínio, a Lei 4.591 de 16 de dezembro de 1964. Esta lei foi o resultado, basicamente, do projeto elaborado por Caio Mário da Silva Pereira, tendo por objeto as edificações de um ou mais pavimentos, construídos sob forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não residenciais. Entre as últimas, incluem-se as destinadas aos escritórios, garagens, mercados, estações ferroviárias, shopping centers e, por extensão, vilas residenciais, loteamentos fechados e até cemitérios particulares com jazigos individuais ou coletivos.

Essa Lei foi a primeira que disciplinou, com profundidade, a vida em condomínio, discorrendo sobre os condomínios, convenção de condomínio, as despesas de condomínio, assembleias gerais, síndico e até sobre a constituição e extinção dos condomínios. Entretanto, a crescente evolução da sociedade exigiu que o direito se adaptasse a essa evolução, sendo necessária a criação da Lei nº 10.406/2002 do Novo Código Civil (LOPES, 2006).

Tendo em vista a sua origem, o condomínio pode ser classificado em: convencional ou incidente. O convencional é o que nasce do contrato pelo qual duas ou mais pessoas adquirem ou colocam uma coisa em comum para dela usar ou fruir. Já o condomínio classificado como incidente ou eventual é o que acontece quando não resulta de um concurso de vontades, como uma sucessão hereditária, dos direitos de vizinhança ou de qualquer outra circunstância em que o estado de comunhão provém de um fato não decorrente da manifestação volitiva dos “comunheiros” (PEREIRA, 2004, p. 152).

Tendo em vista sua necessidade, o condomínio pode ser classificado em ordinário ou transitório, que seria o que vigora por certo tempo ou enquanto não se lhe ponha termo, mas que pode cessar.

 

 

 

2.1 O condomínio edilício

 

Na França, em 1720, em Rennes, houve um acontecimento que indica ter iniciado a história das construções em planos horizontais, que consumiu parte da cidade, levando os habitantes a reorganizarem o espaço e adotarem edifícios com três ou quatro andares, usados com   autonomia (PEREIRA, 2002). Entretanto, o   grande   marco   do   surgimento   deste   tipo de condomínio foi após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Segundo Washington de Barros Monteiro (2003), em consequência da crise de habitações, desapareceu-se o equilíbrio entre a oferta e a procura tendo a crise se agravado com a legislação de emergência sobre o inquilinato, indefinidamente prorrogada, restringindo-se o número das construções.

Conforme Caio Mário da Silva Pereira (2002), no decorrer da história, tendo em vista o crescimento populacional, diz-se que o mundo “encolheu”, tornando os lugares insuficientes para a concentração em massa do homem. Assim, desenvolveu-se a técnica de construção que permitia o melhor aproveitamento dos espaços e maior distribuição de encargos econômicos, mediante o edifício de apartamentos. Ainda segundo Pereira (2002), foi no século XX que se iniciou a produção de condomínios habitacionais com a chegada dos arranha-céus.

Com isso, fica claro que os primeiros sinais aparentes de surgimento do condomínio edilício foram o direito romano, que já começava a surgir em meio à sociedade, com o entendimento de que já havia uma divisão jurídica e econômica do solo para os diversos proprietários, de modo a melhor utilizarem-no.

Com o passar dos anos e com o crescimento das aglomerações urbanas, o condomínio edilício, cada vez mais frequente, teve grande aceitação na sociedade. Não é por acaso que o edifício de apartamento é o tipo de obra que mais se vê sendo executada atualmente. Com o crescimento das cidades e a explosão demográfica, verifica-se uma crescente atividade na construção civil em busca do aperfeiçoamento qualitativo, erguendo prédios cada vez mais altos e mais completos e com um número maior de unidades autônomas, possibilitando aos seus moradores toda diversidade de serviços.

Entretanto, com a proliferação das edificações, tornou-se mais do que necessária a regulamentação em lei acerca da matéria, assunto que foi tratado de forma tardia na legislação, em comparação aos fatos que estavam ocorrendo há algum tempo.

No Brasil, conforme ensinamento do desembargador João Batista Lopes (2003, p. 22), as Ordenações Filipinas já se referiam à “casa dos dois senhorios”, na qual um ocupava o sobrado e outro o sótão, referindo-se ao edifício. Todavia, apesar das Ordenações Filipinas fazerem menção à casa dos dois senhores, o Código Civil de 1916 não tratou sobre o tema condomínio em edificações, que só foi regulamentado pela primeira vez com o Decreto nº 5.481, de 25 de junho de 1928 (DINIZ, 2009). Assim, até 1928, não havia normatização desse tipo de construção, e com isso, os usos e costumes eram as fontes utilizadas na resolução dos problemas que surgiam.

O condomínio em edificações é enfrentado pelo Código Civil em seus artigos 1331 a 1358, sob o título de Condomínio Edilício. Tal expressão, segundo Nelson Rosenvald (2011, p. 159), “é um neologismo, como condomínio resulta da edificação, matéria que não poderia ter sido versada pelo Código de 1916, eis que no início do séc. XX não se cogitava, no Brasil, prédios de apartamento ou comerciais”. Havia, sim, uma preferência para a expressão condomínio horizontal, pois havia uma propriedade horizontalmente fracionada.

O Condomínio Edilício é um direito real que advém da combinação de outros dois direitos reais: a propriedade individual sobre as unidades autônomas e a copropriedade sobre as partes comuns.

Há uma verdadeira fusão entre a propriedade particular (em que cada condômino poderá livremente praticar as suas faculdades de titular) e a propriedade comum, sendo impossível separar juridicamente este complexo incindível.

A fusão da unidade autônoma com as partes comuns provoca a constituição de uma disciplina jurídica especial que demanda estrutura formada por uma série de regras que englobam aspectos da propriedade individual e do condomínio ordinário, conforme acentua o caput do art 1331 do Código Civil de 2002.

Cabe ainda a este artigo especificar exatamente as áreas de propriedade exclusiva e de propriedade comum (áreas que não podem ser alteradas, alienadas ou gravadas separadamente da respectiva unidade autônoma) em uma edificação, e a fração ideal pertencente a cada um.

O cálculo da fração ideal, segundo o ensinamento do Professor e Mestre em Direito do Consumidor Estevão Zizzi (2014), “resulta da divisão de metragem total da área construída do edifício pela área do terreno, multiplicando-se o resultado pela área construída de cada unidade resulta desta forma do valor de cada unidade ao tempo em que se efetiva a incorporação imobiliária, sendo que essa cota, em princípio, também é adotada como base para o cálculo das despesas.”

 

 

2.2 Conceito de despesas condominiais e como são divididas

 

As despesas condominiais são realizadas, via de regra, pela fração ideal. Porém, esta forma de rateio das despesas comuns (portaria, limpeza do prédio, iluminação do prédio, áreas de lazer) levam o proprietário da cobertura a arcar com despesas alheias, ou seja, essas despesas comuns deveriam ser rateadas de forma igualitária, tendo em vista que o fato deste proprietário ser detentor de um imóvel maior não o faz utilizar mais a portaria, nem a limpeza do prédio, muito menos a área de lazer e outros serviços em relação às unidades tipo.

O motivo é que tais áreas comuns são utilizadas por todos de forma igualitária, não tendo nenhuma relação direta com a metragem do apartamento e o uso de serviços comuns, não se justificando, assim, que o proprietário da cobertura arque com maior custos em virtude dessas despesas.

Os gastos mais substanciais suportados pelo condômino como, por exemplo, pagamentos de funcionários, manutenção das áreas comuns e os encargos tributários sobre essas áreas, beneficiam de forma equivalente todos os moradores, independentemente de sua fração ideal.

Assim, não prevalece a presunção do aresto hostilizado de que os proprietários de menores economias acarretam menor despesa. Portanto, os custos, em sua maior parte, não são proporcionais aos tamanhos de suas unidades, mas das áreas comuns, cuja responsabilidade e aproveitamento é de todos os condôminos indistintamente.

Corroborando tal entendimento, temos o Recurso Especial 541.317- RS que admite o rateio igualitário das despesas. Não pagar de forma igualitária é enriquecer ilicitamente o proprietário de unidade tipo, que teria, assim, suas despesas comuns subsidiadas pelo proprietário da cobertura.

Apesar do art 1.336 do Código Civil prever que :

Art. 1.336. São deveres do condômino:

I – contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004).

 

O próprio código traz a ressalva legal de permitir à Assembleia Geral, na elaboração da Convenção de Condomínio ou em deliberação extraordinária, a fixação da contribuição fora do critério da fração ideal para que fosse adotado com justiça o princípio do uso e gozo efetivo dos benefícios ofertados com a despesa. (ZIZI, 2014).

 

Além disso, permite o uso do bom senso e da “lógica matemática” para se estipular um rateio de maneira a evitar desequilíbrio quanto ao valor a ser cobrado de cada unidade quando entre esses há frações diferentes (PEREIRA, 2013).

É sabido que toda sociedade evolui e o direito deve acompanhar essa evolução de forma clara e objetiva. As conquistas sociais têm efeito catraca, efeito cliquet, não podendo retroceder, conforme defendeu Canotilho.

Da mesma forma que a sociedade brasileira evoluiu e foi necessária a modificação na Lei de 1928 pelo Decreto Lei nº 5.234 de 8 de fevereiro de 1943, e deste para o Código Civil de 2002, hoje, em pleno séc. XXI, a concepção deve ser alterada, não se podendo aplicar em uma sociedade atual com cenário histórico diferente o que se aplicava e entendia à época de criação do Código de 2002.

Isso se torna nítido quando se estuda decisões de juízes mais antenados com a evolução da sociedade e a necessidade de mudar suas decisões, fazendo uso da sua prerrogativa de poder de decisão. A realidade fática que influenciou a estruturação desse artigo do Código Civil de 2002 não se verifica hodiernamente. Como consequência, cabe perceber a nova conformação social e atuar de modo coerente com tal situação, tendo como premissas a construção da justiça e a possibilidade do fenômeno dos princípios da nova legislação, deixando de fazer do julgamento tarefa meramente mecânica e partindo do princípio de que o fato de um apartamento ter fração maior não acarreta maior ônus na formação do rateio.

Assim, deveriam os juízes, na sua capacidade de “reelaboração de uma experiência”, não repetir a aplicabilidade de um artigo editado em um contexto histórico completamente distinto deste, mas considerar que o direito aparece como um sistema dinâmico de permanente mudança, tratando dos problemas de inserção no mundo contemporâneo.

Portanto, levando em consideração a ressalva do artigo, e ainda, que fazer com que o condômino proprietário de cobertura pague por fração ideal gera enriquecimento ilícito pelo proprietário do apartamento tipo, não se pode fazer uma análise fora do contexto histórico e social. Deve-se considerar que as influências transformadoras, tanto as de trato legislativo como do próprio papel da propriedade, de modo algum podem ser descartadas nesta análise (NETO, 2009).

“A interpretação das leis é obra de raciocínio, mas também de sabedoria e bom senso, não podendo o julgador ater-se exclusivamente aos vocábulos, mas sim, aplicar os princípios que informam as normas positivas” (Resp. 3.836-MG, 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo; JSTJ, 27/93). Diante disso, surgiu a controvérsia acerca de qual seria o melhor critério a ser utilizado para definir como cada unidade contribuiria para as despesas condominiais, uma vez que o fato de um imóvel ser maior que o outro não implica em maior uso dos serviços comuns do condomínio, restando o critério da fração ideal injusto.

Discorrendo sobre o tema, Farias e Rosenvald (2011) elucidam que as despesas condominiais visam ao rateio das despesas do condomínio, desde que o façam obedecidos os requisitos formais, preservada a isonomia e descaracterizado o enriquecimento ilícito de alguns condôminos.

Os custos, em regra, não são proporcionais ao tamanho das unidades, mas referem-se à manutenção das áreas comuns, aos pagamentos de impostos e funcionários. De fato, não é raro que, injustificadamente, um condômino culmine por suportar determinada despesa que não lhe diga respeito ou que seja substancialmente direcionada a outros moradores. Portanto, fica evidente que o critério mais justo é o critério da divisão igualitária entre as unidades do condomínio.

 

 

 

3 CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, como bem preleciona o brilhante advogado Dr. Kênio de Souza Pereira (2013) em artigo publicado no Boletim de Direito Imobiliário (“Taxa da Inveja” – nos condomínios, a deficiência em matemática e na interpretação dos textos), observa-se que as despesas condominiais decorrentes da conservação ou utilização das partes e coisas comuns não possuem qualquer relação com o tamanho interno dos apartamentos, devendo todas as unidades arcar com os custos na mesma proporção, observando-se o princípio constitucional da isonomia.

A fração ideal destina-se à cobrança de despesas de construções de unidades vendidas, fazendo com que o preço deste imóvel, de maior metragem, seja mais alto, tendo em vista o custo maior para o construir e a sua incidência sobre a cobrança de IPTU. Entretanto, apesar da Taxa Condominial ser necessária para a manutenção das estruturas e serviços comuns do condomínio, que são usufruídos igualitariamente por todos os proprietários de unidades domiciliares, independentemente de ser cobertura ou não, diante de uma lógica matemática, a cobrança pela fração ideal faz gerar enriquecimento ilícito dos proprietários das unidades menores, fato repudiando pelo artigo 884 do CC.

 

REFERÊNCIAS

 

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